domingo, 29 de janeiro de 2012

Para uma leitura da trajetória política e teológica da igreja brasileira.

O Brasil é um país de peculiaridade singular em sua fauna, flora, extensão geográfica, clima, recursos naturais e, bem como, em sua diversidade cultural e religiosa. Esse quadro não só revela a grandiosidade das riquezas desta terra como possibilita ampla pesquisa sobre os objetos de estudo que a nação brasileira oferece. Em se tratando da heterogeneidade religiosa brasileira, a igreja evangélica tem uma trajetória política e teológica diferente se comparada a outras raízes religiosas. Por ser procedente de país protestante, busca objetividade e orientação baseada em sua origem histórica combinado a uma revolução não só espiritual, mas social, política e econômica com papel voltado aos interesses de seus membros e da sociedade em geral.

O processo histórico de ser evangélico e ser político no Brasil apresenta três características: a do engajamento em movimentos sociais, da alienação e da participação no poder público. Uma trajetória em que o papel da comunidade evangélica em relação à participação política reflete, concomitantemente, o momento histórico.

Os evangélicos quando chegaram ao Brasil, oriundos de países protestantes e ascendência industrial, discursavam e defendiam o progresso e a democracia para a sociedade. Engajados em movimentos populares eram partidários da abolição dos escravos e atuavam em favor da república. Também ajudaram a organizar as ligas camponesas e sindicatos rurais e eram militantes de uma revolução brasileira.

O tempo passou e os evangélicos receberam certa influência do fundamentalismo religioso desencadeando certa alienação resultante também de um distorcido discurso escatológico que crer, especificamente, que os últimos e piores acontecimentos, sejam eles, político, social, econômico ou de natureza catastrófica, indicam, exclusivamente, o fim do mundo. Sendo assim, qualquer projeto, engajamento social ou ideário político dos evangélicos para solucionar tais necessidades torna-se irrelevante diante das conseqüências irrevogáveis que o fim dos tempos apresenta. Outro discurso preconceituoso e alvo de grandes questionamentos é o pensamento de que ser evangélico e ser político é abominação diante de um Deus santo, justo e puro, pois para o cristão é incoerente o envolvimento com o poder político corrupto, imoral e ateísta.

As reflexões atuais sobre a trajetória política da igreja apresentam interpretações de um novo período histórico. A participação política além de ser o grande discurso de alguns líderes religiosos é também a atividade pleiteada por muitos cristãos. Muitas igrejas evangélicas que tinham barreiras políticas começam a participar ativamente do poder público desencadeando um número maior de candidatos e, bem como, um número maior de eleitores cristãos.

Afirma-se que isto é apenas uma fase da caminhada, já que a igreja se afastou um pouco e só agora retorna com consciência étnica e conhecimento acadêmico, tanto por parte dos candidatos como dos lideres, reiterando que, é preciso um grupo maior de políticos evangélicos com competência e melhor nível sócio-político, cultural e religioso.

Cristãos envolvidos politicamente apresentam soluções satisfatórias às questões sociais. Fala-se em dar respostas ao declínio moral, à crise social, econômica e política e, sobretudo, a falta de ética com a coisa pública. Pleiteiam diversos cargos políticos como numa caminhada religiosa, rumo a mais elevada responsabilidade política desta nação que é a presidência da república.

O discurso, no entanto, é simplista e triunfalista, pois pensar que a eleição de cristãos para cargos públicos seja a solução para todas as doenças sociais, não é só presunçoso e teologicamente questionável, como também, é mentiroso. Apesar de existirem muitos políticos evangélicos competentes, é visível candidatos de si mesmo ou de grupos religiosos isolados que, consequentemente, não atingem as reais necessidades do povo brasileiro provocando arranhões ao caráter cristão do povo de Deus.

Entendo que pensar na ocupação do cargo público por cristãos pode até representar um universo moldado na moral religiosa e na ética civil, mas nunca como um poder igualitário justo e sábio, principalmente, porque a história mostra que governos ditos religiosos não exemplificam um merecido bem-estar-social. Outra questão é que o nível espiritual de um indivíduo não pode ser o indicador imprescindível ao exercício do cargo público, tendo em vista que o ato de governar demanda competência, habilidades e caráter honrado para dirigir democraticamente uma nação.

A igreja, portanto, precisa preocupar-se conscientemente com a política no Brasil agindo vigilantemente numa caminhada de esclarecimento, ensinamento e engajamento. Na medida em que participa do poder público é preciso atuar de forma reflexiva, questionável e denunciadora aos vícios impuros da política brasileira. No entanto, para ter sucesso se faz necessário exercer uma política igualitária e de inclusão social voltada para a justiça sócio-política em defesa da integridade do homem e da natureza. Não esquecendo que a missão principal da igreja é proclamar o evangelho do Reino, implicando o batismo e a inserção do novo convertido na igreja através da doutrina bíblica. Uma igreja com proposta terapêutica na reconstrução da pessoa levando-a ao exercício do espírito amoroso e o desejo de servir.

Quanto à postura teológica voltada para o exercício da fé, da conversão do individuo, da ortodoxia e da valorização do Espírito Santo é fundamental exercer não mais um discurso de protesto a tudo e a todos, mas de proclamação do evangelho de Cristo. A teologia como estudo de Deus fundamentada na Palavra, não pode ser substituída por ideologias ou sistemas de asserções, teorias ou alvos que constituem num programa sócio-religioso de política injusta, e sim de evitar a sacramentalização de ideologias partidárias. Utilizar-se do poder político para fazer valer seus direitos da propagação do evangelho ou condenar a ação de uma cultura nacional por não pertencer ao universo do cristianismo é um ato arbitrário e, absolutamente, condenável ao interesse político, econômico, social e, principalmente, religioso.

A resposta mais sensata aos tempos de irrelevância, blasfêmia e inerrância bíblica do mundo globalizado e, assim como, coibir as barreiras da expansão do evangelho é proclamar a verdade sobre Jesus Cristo. A religião, portanto, não pode ser vista como meio de expressão de interesses governamentais, mas como uma organização voltada em torno dos elementos sagrados da vida humana que cria condições para uma tentativa coletiva de construir uma ponte entre o homem e Deus. Deste modo, é imprescindível proclamar a Palavra de Deus sob a autoridade que Cristo assegurou à igreja dos apóstolos e dos profetas.

O povo de Deus está nesta terra para levar boas novas de salvação a todos os povos através do anúncio de que só existe um caminho entre Deus e os homens que é o Senhor Jesus. Cada cristão deve ter sua fé ativa ao exercício da evangelização dos povos, não só através do discurso bíblico, mas também, pelo testemunho de vida correta e santa (Cf. Mc 16.15 & I Tm 2.5).

Quando o cristão, por sua vez, resolve ser um homem público, tornando-se representante eleito de um município, estado ou nação, recebe um conjunto de responsabilidades que diferem, substancialmente, do papel evangelizador de um seguidor de Cristo. Sua missão agora é governar em favor de um povo constituído de uma diversidade cultural, econômica, social, política e religiosa, apresentando condições de defender a ordem pública e o bem estar desta gente. Atuará em favor da justiça social daqueles que lhe escolheu como seu representante e, sobretudo, assegurar a liberdade de religião para todos os cidadãos na diversidade das crenças presente no Brasil. Essa atitude não pode significar o descomprometimento de sua fé ou sua fidelidade com Deus. Pode falar livremente de sua fé e, maiormente, através do testemunho dos valores cristãos em sua vida cotidiana. Em hipótese alguma, utilizará do poder público para favorecer a posição do cristianismo, igreja ou denominação onde serve religiosamente a Deus.

Quando um cidadão evangélico estiver governando um povo é preciso estar apto a dirigir com seriedade e coerência influenciando outros políticos a praticarem a equidade e a justiça. Outra atitude é mostrar não só aos que o elegeram, mas a toda gente que, apesar do poder corromper é possível governar sem ser corrupto. Isto é, quando o poder é usado para a manutenção da ordem é mérito, mas quando usado para ações injustas é corrupção.

Observação também se faz sobre a prática evangelizadora de certos crentes. Ainda que bem intencionados, ao trabalharem em instituições governamentais, escolas, instituições privadas ou cargos políticos, preferem trazer a influência de Cristo em detrimento da cultura. Tal atitude desnorteia o verdadeiro sentido da cristianização do mundo.

A evangelização brasileira é libertadora, mas, no entanto, algumas igrejas fizeram aliança com o sistema neoliberal tornando-se burguesa e importando uma atitude reacionária da teologia norte-americana apresentando-se até como opressora. Outro fator que provocou essa mudança de comportamento nas igrejas evangélicas, é que com o tempo, a igreja protestante passou a absorver os valores mais integrados na igreja católica tornando-se tradicionalista, intolerante e direitista.

É preciso entender que a evangelização dos povos, segundo a Bíblia, não pode ser confundida com aculturação, pois a ação evangelizadora é transcultural entendendo que a cultura de um povo não pode ser confundida com doutrina bíblica. A Bíblia é a palavra de Deus e, portanto, precisa ser ensinada conforme Deus ordenou: Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado (Cf. Mt 28. 19-20).

O registro dos Evangelhos sobre o ministério de Jesus Cristo no I século da era cristã, observa-se que o Messias era consciente da miséria social que passavam o povo daquela época, resultante não só da crise religiosa, mas também, política e econômica. Seu projeto, no entanto, era espiritual no intuito primordial de produzir uma revolução no interior do homem. Isto é, embora tivesse consciência do estado social e do autoritarismo político que os judeus e demais povos viviam em seu tempo, detectou uma miséria mais profunda que precisava, urgentemente, de salvação. Agiu, então, no íntimo do ser humano possibilitando soluções para as outras mazelas e injustiças humanas.

Este projeto de regeneração no interior do homem deu oportunidade para a restauração no exterior da humanidade numa mudança de dentro para fora. Portanto, cabe a igreja atuar na salvação dos povos, mas também contribuir para a revolução social, política e econômicas da sociedade. Uma transformação que envolva a vida espiritual do homem e, especialmente, a vida social. Um projeto que atenda não apenas alguns membros da igreja ou da sociedade, mas a todos indiscriminadamente voltado, substancial, para o reino de Deus, a paz e a justiça social.



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